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21 de outubro de 2019 às 20:48 6 views

Diario de viagem, Bolivia, segunda tentativa… - parte 8 (final)


O tempo virou, caiu um monte de neve no Taapaca.

Amanhã saíremos de Putre para ir até Sajama, passando pelo mesmo tramite de duas fronteiras de novo, que é um saco. Após o café da manhã a gente passa no mirante antes para fazer umas fotos da neve recém caída, aqui em Putre o tempo está mais ou menos aberto, já que no caminho pegamos uma pequena nevada.  Depois de ter passado nas fronteiras, almoçamos em Tambo Quemado mesmo e depois seguimos para o hostal Sajama, em torno de umas 15 horas a gente chega.
Eu provo as sapatos que vou alugar, pois os meus não estão mais a prova da neve do Parinacota. Aqui estamos em cerca de 4300 metros, bem mais frio do que Putre. Eu vou até o quarto e me enfio nas cobertas para ler um livro. Mas logo depois eu pego no sono e durmo umas 3 horas.
A janta é servido umas 19 horas, uma sopa, arroz, batata e carne. Jesus me diz que a gente vai tomar café da manhã 1:30 para depois nos deslocar até o Parinacota e começar a subir. Eu vou escovar os dentes e deito para dormir, que é sempre uma tarefa difícil: ter que dormir porque vai acordar 1 da manhã. Após uma meia hora eu pego no sono, mas acordo umas 2-3 vezes para ir no banheiro. Finalmente toca o despertador e eu me arrumo. Em torno de 2 horas saímos do pueblo ruma ao Parinacota. Mas no meio do caminho uma lâmpada forte na nossa cara: uma patrulha do exercíto, que nós convida para dar meia volta, porque caso seguimos vamos ser recebido a bala. Jesus pergunta se podemos voltar as 6 da manhã e o soldado diz que sim. Na volta cruzamos com outra patrulha. Jesus me explica que ali tem um rota de contrabando, os contrabandistas vão principalmente em noites que tem lua, porque ai eles dirigem no escuro. Quando chegamos no Hostel, uma bela surpresa: tem um ferro cravado no pneu da frente. Sabe aqueles de 4 pontas, que a polícia deixa na rua para evitar que alguém fure o bloqueio? Porra, que sacanagem, como os militares deixam essa porra antes do posto? Jesus tenta consertar o pneu, ele tem todoso material, mas infelizmente não deu certo, até porque a ponta entra na diagonal. Eu fico do lado dele em solidariedade, mas fico com bastante frio, a temperatura deve gerar em torno de um ou dois graus negativos.
Bom, o Parinacota já era, porque vai que tem mais desses “miguelitos” (como chamam na Bolivia) enterrado na areia? Claro que pinta uma frustração, porque o principal objetivo da viagem era justamente o Parinacota de 6348 m.

Para não perder a viagem para Sajama, a gente decide subir o Acontango, uma outra montanha que tem mais que 6 mil metros. Quando estamos indo na direção de Tambo Quemado, uma outra luz balançando. “Ah não, só falta dizer que não podemos circular por conta das eleições?” Jesus me confessa depois que ele pensou o mesmo. Mas nada disso. O veículo militar também sofreu o mesmo destino, ou pior ainda, porque eles furaram os 4!!! Pneus nesse miguelitos. Bom, então quem colocou foram os próprios contrabandistas para tentar evitar que os militares lhes seguem.
A gente da carona para dois deles até Tambo Quemado, onde eles vão tentar arrumar um borracheiro, enquanto a gente vai na direção do Acotango, que tem 6054 metros. Na verdade eu já o subi 2 vezes, mas um 6 mil, é um 6 mil, além das próprias montanhas mudarem o tempo inteiro. Quando a gente chega lá, o sol já começa a raiar, os primeiros raios tocam o Sajama, o que rende umas belas fotos. A primeira parte é razoável, uma subida de leve, mas logo depois estamos diante de uma subida bastante íngreme. Mas assim que a gente passa do início do cráter, começa a soprar um vento fortissimo, que deve ter uns 45 km. Como caiu bastante neve, a sensação é de estar dentro de uma nevasca. Se começamos com 1 grau negativo, a sensação térmica agora deve estar em torno de 10 graus negativos, até Jesus está com frio nos pés e isso quer dizer alguma coisa…rs

Em algumas partes o pé afunda uns 40 cm na neve fresca, que caiu nos últimos dias. Eu sofro bastante na subida. Mas montanha muitas vezes é assim e por isso guarda valiosas lições: você vê a trilha do guia na sua frente e marca uma pedra e diz para si mesmo que vai andar somente até ela. Depois marca o próximo ponto e assim vai. Quando se deu conta, subiu aquilo que te parecia impossível. É mais ou menos o princípio dos grupos de apoio: se você imaginar que nunca mais vai beber, fumar, usar drogas etc, parece uma tarefa impossível. Mas se você se propõe para fazer isso somente no dia de hoje, fica bem mais fácil.

Mas voltando a realidade: Ainda tem 3 subidas até o cume. Devagar, mas sempre eu vou subindo, morrendo de frio. Finalmente chegamos e Jesus escolhe um lugar mais protegido do vento para descansar. Estou com o menor saco de fazer fotos, aprendi isso ao longo dos anos, tem momentos que são só meus e que nem tudo precisa ser compartilhado. A descida até o final do cráter é uma verdadeira tormenta, porque agora o vento nos pega de frente, parece que está numa tempestade de neve. Muito cansativo e tem horas que parece que o nariz vai congelar. Somente quando começamos a descida no cráter, ficamos um pouco mais protegido, embora que até ali uma ou outra rajada ainda nos alcança.
Aquilo que Jesus já constatou, eu percebo também: a minha capacidade de sofrer aumentou, e aonde mais se mostra isso é nas descidas. Eu lembro das duas outras vezes que fiz o Acotango, as descidas pareciam verdadeiras vias crucis. E nem é pelo fato de não estar “menos” cansado das outras vezes e sim pelo fato de querer chegar tanto no topo, quando no carro. Nada de se lamentar ou ficar remoendo o cansaço, simplesmente faz aquilo que precisa ser feito: descer.

 

Em torno de 16 horas a gente chega no carro. O meu vôo sai as 4:40 da manhã, ou seja, eu teria que estar no aeroporto as 2:40. A gente decidiu que vou dormir 2 horinhas aqui mesmo, comer uma sopa e pular a noite em La Paz, indo direto de Sajama para o aeroporto. A viagem leva em torno de umas 4 horas e o dono da Lodge emprestou um pneu reserva dele para Jesus, assim a gente vai de boa. Durante o jantar ainda tem um episódio cômico, como diz amigo meu, Rolf sendo Rolf. Um outro grupo que estava lá, 3 franceses e um casal de espanhóis, que já haviam chamado negativamente a atenção de Jesus (eu não tinha prestado atenção na conversa), vieram nos perguntar porque não havíamos ido ao Parinacota como programado. A gente falou da rota dos contrabandistas e tal quando a espanhola exclamou: “O que? Rota de contrabando?”
Ah, cara, eu não aguento; a resposta minha foi espontanéa e na lata: “oooh, na Espanha não tem contrabando, não tem tráfico de drogas etc”…rs
Ela se deu conta da merda que falou e como pessoas arrogantes costumam fazer para não perder a superioridade, ela tentou se explicar, o que me divertiu mais ainda, mas falei mais nada, a minha farpa já havia sido lançado. Jesus depois falou que se mijou de rir internamente, segundo ele foi um fora bem dado e merecido. Eu engulo muita coisa, muitas coisas que eu respondia no passado, nem sinto mais vontade de responder, mas hipocrisia e arrogância alheia me fazem sentir uma vontade enorme de desmascarar.

 

Na volta para La Paz, eu morro de frio no carro. Não é porque realmente está frio e sim pelo cansaço do corpo. Somente dormi 2 horas e agora só vou dormir no avião. A gente janta no aeroporto e chegou na hora da despedida. A gente se da realmente muito bem, Jesus é do tipo que eu gosto: não tem duas caras, fala as coisas na lata, tem humor e embora tenhamos opiniões diferentes a respeito de determinadas coisas, existe um debate de alto nível, até porque ele é um cara com muita vivência…

Eu estou louco para embarcar logo. Estou sentado no meio, mas só sei quem estava no meu lado esquerdo, porque primeiro eu durmo, depois eu tomo meu lugar. Nunca dormi tão profundamente num vôo. Foi um daqueles sonos restauradores e quando acordei, o frio havia desaparecido. Agora tenho 7 horas de espera em Lima. Aquele tempo que não vale nem a pena sair do aeroporto e você está tentando matar o tempo. Infelizmente aqui somente te dão uma hora de Wifi, mas como tenho celular e laptop, é tranquilo. Ainda vejo o preço de uma Lounge, mas além de caro, ainda querem tirar onda, só pode entrar 3 horas antes do seu embarque, senão paga dobrado, vou escrevendo meu diário offline e depois ler mais um pouco o livro, além de tomar um café da manhã, que sai bem mais barato. E sinceramente, quando tem Wifi, tem, quando não tem, dane-se também. Estou me desligando cada vez mais dessa escravidão moderna. Mais um pitstop em São Paulo, estou louco para dormir, pois depois da montanha só dormi umas 4 horas, sendo 2 no avião… J

Foto: Acontango, Bolivia, em vermelho assinalada a rota de subida...

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