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Discografia Los Hermanos

Não faz muito tempo me lembro ter visto o rapaz alto de cabelos desgrenhados que andava pela PUC com uma resma de papéis e um cavaquinho debaixo do braço. Volta e meia puxava da mochila um pandeiro e o entregava a alguém que conseguisse entender os versos que nele estavam escritos. O rapaz um dia, numa dessas tardes de matar aula, me falou de amor e cantou uma canção que há pouco ele havia escrito. O seu nome era Marcelo Camelo e logo tratou de explicar que o inusitado sobrenome não se referia a qualquer semelhança física com o animal e sim com o erro de um escrivão distraído. Marcelo era mais um que, como muitos outros que eu conhecera na faculdade, tinha uma banda que falava de amor.Numa quarta-feira de férias me convidei para assistir a um ensaio num lugar em que eu nunca conseguiria chegar sozinho. Dentro de um estúdio minúsculo e absolutamente quente em Jacarepaguá, conheci Los Hermanos. Acompanhavam Marcelo o carismático Rodrigo Barba e o sonolento Felipe, que logo após esse ensaio resolveu se tornar apenas amigo da banda. Havia ainda o trompetista Márcio e o saxofonista Carlos que compraram seus instrumentos no mês anterior com o intuito de fazer jazz. O som mal equalizado doía nos ouvidos e quase não se ouvia as letras das canções, mas era possível perceber a beleza das melodias em contraste com a pulsação frenética das músicas. Nesse exato momento estabeleceu-se um paradoxo na minha cabeça: à primeira impressão tratava-se de uma banda convencional de hardcore, mas ao olhar para o Marcelo, ao invés de encontrar a raiva e a agressividade comum nesse estilo musical, via um menino falando de amor. "Tire esse azedume do meu peito, e com respeito trate minha dor....". Isso é samba! O que diabos é essa banda afinal? Depois de muito tempo tentando entender o antagonismo dessas canções preferi simplesmente passar a senti-las.Minha amizade com o Marcelo aumentou e passei a conhecer melhor os integrantes da banda, inclusive o empresário (???) Alex que andava com um tamborzinho pendurado no pescoço, lembrança do Abril Pro Rock, festival realizado em Recife, ao qual Marcelo e Alex não passavam um dia sequer sem citar. Eu que sou tecladista acabei sendo chamado para também integrar a banda, já que atendia perfeitamente ao principal quesito de seleção que é o de ser amigo. Logo começaram os shows: pequenos bares, lugares distantes em dias chuvosos, festas de premeditável fracasso. Banda iniciante toca onde dá, e normalmente ainda paga para isso além de ter que levar os amplificadores no ombro. Com o tempo e as adversidades a formação da banda foi variando. Saíram Márcio, Carlos e o saudoso Vitor que hoje estuda música no exterior e deveria ter sido mencionado num dos parágrafos acima. Vieram o multi-task Rodrigo Amarante e o calado Patrick, com quem o fator amizade era minimizado diante de tamanha destreza no baixo. A fim de melhor divulgar a banda resolvemos gravar duas demos. Amor e Folia (Janeiro de 98) e Chora (Setembro de 98). Rapidamente as fitinhas se espalharam pelo Rio e já era possível ouvir um pequeno coro nos shows. A inusitada formação de universitários começou a atrair a atenção da mídia e se seguiram diversas reportagens, cuja importância crescia rapidamente. Ainda no primeiro ano de banda fomos chamados para participar do Superdemo, maior festival de música alternativa do Rio. Cada vez mais os compromissos da banda pesavam em nossa rotina de universitários e era complicado conseguir estagiar ou fazer qualquer outra coisa que não música. Atraído por um encontro de zineiros o valente Alex mais uma vez percebeu a possibilidade de espalhar algumas fitinhas. Uma delas foi parar na mão de Paulo André (organizador do Abril Pro Rock) coincidentemente, aquele evento do qual Alex e Marcelo nunca paravam de falar. Num determinado dia, alguns meses após o infrutífero encontro, veio por email o convite para participar do festival. Mais do que uma inacreditável oportunidade para a banda, a viagem para Recife representava a realização de um sonho. Os meses passaram lentamente até podermos finalmente fazer as malas com 200 fitas-demo e embarcar no avião pago do próprio bolso rumo a Recife. Chegando lá, além da minha decepção por nunca imaginar que o festival se realizava num lugar coberto, era possível sentir o clima de festival. Milhares de pessoas de todo o nordeste estavam lá para prestigiar Marcelo D2, Arnaldo Antunes, Sepultura e a nós também (embora ainda não nos conhecessem).   Às 18:10hs do Sábado entramos no palco, ainda iluminado pela luz do dia. A frente, um incalculável número de pessoas perfiladas até onde a vista não alcançava. A maior parte delas preferia comprar cerveja ao invés de olhar para os seis cariocas vestidos de terno derretendo sob o abrasivo calor que as placas de amianto do teto proporcionavam. Eu sentia no olhar de meus amigos o medo da repercussão que uma má apresentação poderia gerar. O show começou em meio a algumas vaias daqueles que vão aos festivais para vaiar tudo que ainda não conhecem, mas após os primeiros acordes de Descoberta as pessoas começaram a se virar para o palco. Em seguida veio Azedume e depois Pierrot. Nessa hora o público do festival era um misto de curiosidade, estranhamento e diversão.Alguns passaram todo o show tentando compreender - assim como eu naquele ensaio - a curiosa sonoridade. A maioria resolveu apenas se deixar levar. Apesar do nervosismo, meus amigos foram absolutamente brilhantes em suas funções e o show foi considerado um absoluto sucesso, fomos apontados como revelação do festival. Daí em diante tudo aconteceu muito rápido e as vezes eu mesmo acho que não assimilei ainda. A repercussão na imprensa, o contrato com a Abril, a gravação do disco, o fenômeno Anna Júlia. É claro que as coisas mudaram radicalmente e não poderia ser de outra maneira. Os cinco amigos hoje viajam por todo o Brasil mostrando a estranha sonoridade que os consagrou. Apesar da rotina frenética, do cansaço e das adversidades da estrada, ainda sinto muito presente em todos o desejo de continuar fazendo música e uma estimulante incerteza sobre o nosso destino. Passamos de pedra a vidraça, caímos de pára-quedas num meio confuso e cheio de armadilhas pelo qual ainda não sabemos caminhar direito. Na falta de parâmetros sobre o que é certo ou errado, continuamos usando nossa intuição. Percebemos que nunca conseguiremos agradar a todos, mas que acima de tudo queremos levar a nossa música para onde pudermos. Talvez muitos não consigam compreender a nossa proposta, mas também quem sou eu para tentar explicar? Nossas músicas falam de sentimento, da pessoa por quem você se apaixona mas não sabe se declarar, do amor platônico, daquela menina da escola que não sabia o seu nome mas por quem você era absolutamente apaixonado, do carinho pelos amigos, da graça de sofrer por amor, da felicidade de ter um amor correspondido...  Pelos palcos de todo Brasil, apesar das luzes que insistem em colocar na nossa cara, ainda consigo reconhecer em alguns rostos aquela mesma estranha impressão que tive quando conheci a banda. Los Hermanos é uma banda de cinco amigos que respeitam suas diferenças e que não têm vergonha de fazer música com muito amor e sinceridade.