coracaoselvagem
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6 de dezembro de 2010 às 20:42 24 views

quando a pressa é perfeição

Vivia apressado e me apressando na fila do banco. Era um bom rapaz mas tinha pressa. A pressa me irrita porque ela é para os que têm muita sede de vida. E eu sinto inveja, que posso fazer?
Morreu ontem. Atropelado pela pressa dos outros. Recebi a noticia e lentamente fui tomando contato com a dimensão daquilo. Eu sou lento. Só entendi a mensagem quando lá por volta das 11 senti falta daquele apressado que me apressava. Foi ruim. Eu contava dinheiro e me distraia com muitos pensamentos lentos. Não o conhecia e ele não era nada para mim senão um cliente que todos os dias estava lá para pagar as contas do dia seguinte. De inicio me veio na cabeça uma tolice da qual me envergonho de ter pensado mas eu vou contar, me perdoem de antemão (eu preciso sempre ser perdoado de antemão). De início pensei: e as contas? com quem vão ficar? Senti uma agonia profunda ao imaginar que iriam se vencendo, vencendo, vencendo... Fui vencido. Depois me lembrei do rosto dele. E então fui me lembrando de como ele tinha pressa, ele não queria nada vencido. Era um vencedor...
Fui me aprofundando no pensamento que é meu maior risco na vida. Me arrisquei e enquanto contava dinheiro ia me transportando para o que acontecia depois que as pessoas pagavam as contas. Às vezes eu me esqueço que depois que as pessoas saem da fila elas continuam caminhando e pegando outras filas. E então eu tive uma imagem nítida dele com a família assistindo na televisão que ele ainda pagava a prestação. E então a imagem grotesca de sua morte. Apressadamente voltava para casa e pela pressa de outro tinha sua pressa interrompida. Imaginei a velocidade das coisas. Teria tido tempo de pensar que agora morreria e que tudo que planejara, as coisas que tinha se programado para fazer ao tomar o café da manhã, a prestação da tv a pagar, tudo isso morreria com ele? Da tristeza fui ao espanto e senti vontade de gritar. Mas eu contava notas de 100 e precisava de silêncio. Porém dentro, aqui dentro ficou o grito abafado. A indignação ácida por sua morte apressada. A raiva vermelha pelos 10 segundos que lhe faltaram para soubesse que morreria.
A tv não seria paga, não iria jantar com a família, não iria me apressar - eu que tanto preciso que me apressem. Os titulos se venceriam, venceriam, venceriam... E o vencedor estava vencido, só que antes da data. Ele que tanto tinha pressa, que descanse em paz, agora terá a lentidão da eternidade.

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