Quando era pequena e estava a crescer em Cuba, Ana de Armas quase sĂł tinha acesso a filmes e programas de televisĂŁo locais. De vez em quando conseguia ver produçÔes de Hollywood na casa dos vizinhos, e tinha um grupo de amigas com quem cantava as mĂșsicas das Spice Girls â apesar de nenhuma delas entender o que significavam as letras.
Apesar dos racionamentos de comida, dos cortes frequentes de eletricidade e da falta de recursos no geral, a atriz descreve a sua infĂąncia como âfelizâ. Hoje, Ă© um dos principais nomes que estĂŁo a conquistar Hollywood. Subiu a pulso, com uma grande determinação, e agora tem uma enorme (e promissora) carreira pela frente.
O pai trabalhou como bancĂĄrio, professor e numa cĂąmara municipal. A mĂŁe estava no departamento de recursos humanos no ministĂ©rio da educação cubano. E Ana de Armas tem um irmĂŁo mais velho, Javier, que Ă© um fotĂłgrafo que atualmente trabalha em Nova Iorque. Aos 12 anos, ela jĂĄ sabia que queria ser atriz â e correu atrĂĄs desse sonho sem nunca se desviar do seu caminho.
Apenas dois anos depois, foi aceita no curso de representação do Teatro Nacional de Cuba, em Havana, que duraria quatro anos. Ana de Armas apanhava boleias na estrada para chegar atĂ© Ă escola ou fazia a viagem de autocarro. O curso era exigente mas correu bem e, a meio, quando tinha 16 anos, estreou-se com um papel em âUna Rosa de Franciaâ, que chegou aos cinemas em 2006.
Acabaria por participar noutras produçÔes enquanto adolescente, antes de se mudar para Espanha, no ano em que celebrou 18 anos â algo que sĂł conseguiu fazer porque os avĂłs tĂȘm nacionalidade espanhola. Queria seguir a carreira de atriz e bastaram-lhe as poupanças de 200⏠para se mudar para Madrid (onde jĂĄ tinha estado a promover o seu primeiro filme).
Apenas duas semanas depois de ter chegado, conheceu o diretor de castings Luis San Narciso, que tinha visto o seu papel em âUna Rosa de Franciaâ. Imediatamente, San Narciso conseguiu-lhe um papel numa sĂ©rie adolescente que iria ser um tremendo sucesso em Espanha, âEl Internadoâ.
Ana de Armas participou em seis temporadas do projeto, entre 2007 e 2010. Rapidamente se tornou uma figura conhecida no nosso paĂs vizinho. Apesar do sucesso, a atriz sĂł estava a receber propostas para fazer papĂ©is idĂȘnticos e sentiu que estava presa Ă quele tipo de personagem adolescente. Por isso mesmo, pediu aos criadores do projeto que escrevessem a histĂłria para que a sua personagem saĂsse na penĂșltima temporada.
Por volta de 2011, foi para Nova Iorque, nos EUA, para aprender inglĂȘs. Queria internacionalizar-se e trabalhar na grande indĂșstria mundial. Mas os convites continuaram a aparecer na Espanha e voltou a Madrid para participar em projetos como âHispania, La Leyendaâ, âEl CallejĂłnâ, âAnabelâ ou âPor Un Puñado de Besosâ. Nessa fase esteve casada com o ator espanhol Marc Clotet, durante dois anos â divorciaram-se em 2013.
Continuou a participar em workshops profissionais de representação e teve a fase âmais ansiosaâ da sua carreira â sentia que nĂŁo estava a ir por onde queria, que nĂŁo tinha alcançado ainda os seus objetivos. Felizmente, conseguiu um agente em Los Angeles, e rapidamente se mudou para a cidade da indĂșstria de Hollywood.
Quando chegou Ă CalifĂłrnia em 2014, foi como se tivesse começado a carreira do zero. Falava muito pouco inglĂȘs e na maioria dos primeiros castings que fez nem sequer sabia exatamente o que Ă© que estava a dizer. Passou quatro meses a aprender inglĂȘs durante o dia inteiro â atĂ© dominar a lĂngua.
No entanto, nos primeiros papĂ©is que fez decorou as falas pelos sons das palavras â ou seja, nĂŁo conseguia quase manter uma conversa com os outros atores e produtores, e se o texto fosse alterado durante as gravaçÔes seria um problema. Um desses casos foi na sua estreia em Hollywood, âKnock Knockâ, um thriller erĂłtico protagonizado por Keanu Reeves. De qualquer forma, Reeves gostou do seu trabalho e convidou-a para um papel para outro filme protagonizado e produzido por si, âAnjos e Sombrasâ, que estreou no ano seguinte, em 2016.
Outros dos filmes que fez nessa fase foram âOs Traficantesâ, de Todd Phillips; ou âHands of Stoneâ, de Jonathan Jakubowicz. O papel que a iria lançar seria o da namorada de inteligĂȘncia artificial da personagem de Ryan Gosling em âBlade Runner 2049â, mas o filme acabou por nĂŁo ter o sucesso comercial desejado. Ana de Armas foi elogiada pelos crĂticos, mas nĂŁo se tornou propriamente muito conhecida do grande pĂșblico. (e mesmo assim, foi onde eu Nuelle me tornei fĂŁ dessa maravilhosa!
Ainda assim, estava a conseguir construir uma carreira. Ana de Armas comprou nesse ano uma casa em Cuba, onde vive a sua famĂlia e grande parte dos seus amigos. Ă lĂĄ que continua a passar grande parte do tempo livre, sempre que pode. Ă amiga de muitos atores cubanos, que a tĂȘm como a grande referĂȘncia. Apesar disso, os seus pais nunca conseguiram ir Ă estreia de um dos seus filmes ou sequer ver o seu trabalho em boas condiçÔes. Veem o seu trabalho âmais tarde, atravĂ©s de uma cĂłpia mĂĄ ou assimâ, como descreveu em entrevista Ă âVanity Fairâ no inĂcio deste ano.
Quando vai a Cuba, Ana de Armas diz que leva a bagagem cheia de roupa, medicamentos ou outros mantimentos que oferece Ă s pessoas do seu paĂs â as malas voltam vazias, jĂĄ que a atriz nem leva praticamente roupa ou objetos pessoais para Havana.
Diz que Hollywood nĂŁo Ă© a sua vida, mas antes a sua ârealidadeâ. âFiz grandes amigos, e aconteceram-me coisas incrĂveis aqui, mas o estilo de vida e a exposição pĂșblica e as constantes situaçÔes de negĂłcio nĂŁo sĂŁo para mim. Gosto de falar sobre a vida, sobre arte, bebĂ©s ou animais de estimação. Representar Ă© o que adoro fazer, mas nĂŁo consigo estar sempre a falar dissoâ, contou no mesmo artigo da âVanity Fairâ.
Em 2019, sim, conseguiu o papel que a catapultou para o estrelato. Com um elenco de verdadeiras estrelas â desde Daniel Craig a Chris Evans, passando por Jamie Lee Curtis e Christopher Plummer â foi Ana de Armas quem mais se destacou em âKnives Out: Todos SĂŁo Suspeitosâ. Foi nomeada para o Globo de Ouro de Melhor Atriz numa ComĂ©dia ou Musical.
Quase esteve para nĂŁo aceitar o papel, cuja descrição inicial (e de forma muito bĂĄsica) dizia apenas que seria o de uma âauxiliar bonitaâ. Ana de Armas tem-se declarado veementemente contra os estereĂłtipos no cinema para os atores latinos. âĂs vezes diz: âsexy com um mau feitioâ. E Ă© quem nĂłs somos. NĂŁo tem nada de mal, desde que nĂŁo seja sĂł isso. Com isso Ă© que tenho um problema.â No entanto, nesta histĂłria acaba por ter um papel bem mais complexo, e atĂ© de protagonista.
Apesar de todas as circunstĂąncias, 2020 foi um grande ano para Ana, com vĂĄrios passos importantes no seu percurso. Participou no drama polĂtico âSergioâ, da Netflix, e no thriller âO Rececionistaâ.
Estreou em âWasp Network: Rede de EspiĂ”esâ. A narrativa baseia-se na histĂłria real dos cinco de Cuba â agentes secretos que foram detidos no estado da FlĂłrida nos anos 90 e mais tarde condenados por espionagem e outros crimes. O enredo acompanha sobretudo RenĂ© GonzĂĄlez, um piloto cubano que deixa a sua mulher e filha para começar uma nova vida em Miami.
Depois de se juntar a um grupo de compatriotas exilados, conhecido como a Wasp Network, torna-se parte de uma cĂ©lula de espionagem que tem como missĂŁo vigiar e infiltrar organizaçÔes cubanas e americanas que queiram derrubar Fidel Castro. O filme foi escrito e realizado por Olivier Assayas. O guiĂŁo foi construĂdo a partir do livro âOs Ăltimos Soldados da Guerra Friaâ, do jornalista e autor brasileiro Fernando Morais.
AlĂ©m de Ana de Armas, hĂĄ uma sĂ©rie de estrelas latinas que entram nesta produção â entre as quais PenĂ©lope Cruz, Wagner Moura, Gael GarcĂa Bernal e Edgar RamĂrez.
Contudo, o seu ano nĂŁo fica por aqui. Se queria quebrar estereĂłtipos, a maior prova que o estĂĄ a conseguir fazer Ă© que vai interpretar Marilyn Monroe no filme biogrĂĄfico (mas tambĂ©m fantasiado) âBlondeâ, com estreia prevista para 2021. Ă uma produção realizada por Andrew Dominik.
âSĂł tive de fazer o casting uma vez e o Andrew disse: Ă©s tu. Interpretar a Marilyn foi algo novo. Uma cubana a interpretar Marilyn Monroe. Queria tanto.â
No filme, o prĂłprio cĂŁo de Ana de Armas, Elvis, interpreta o cĂŁo de Monroe â que se chamava Mafia e que tinha sido um presente de Frank Sinatra.
Outro grande projeto em que vai participar Ă© o prĂłximo filme de 007, âSem Tempo Para Morrerâ, que foi adiado para 2021. O realizador, Cary Joji Fukunaga, Ă© um fĂŁ da atriz hĂĄ vĂĄrios anos e escreveu este papel (em conjunto com Phoebe Waller-Bridge) especificamente para Ana de Armas. Ela pode ser a âbond girlâ deste filme, mas o objetivo nunca serĂĄ objetificar a mulher.
âObviamente estava a saltar e muito entusiasmada [quando recebeu o convite]. Mas tinha de garantir que nĂŁo ia prejudicar todo o trabalho que tinha feito atĂ© entĂŁo, que nĂŁo ia estragar tudo. E as mulheres de Bond, pelo menos para mim, nunca me consegui identificar com elas.â
Ana de Armas vai interpretar uma mulher que acaba de começar a trabalhar para a CIA, por isso tem pouco treino quando conhece James Bond (a personagem de Daniel Craig, com quem jĂĄ trabalhou em âKnives Out: Todos SĂŁo Suspeitosâ). A expetativa Ă© a de que ela nĂŁo serĂĄ a agente mais prolĂfica, mas a personagem acabarĂĄ por surpreender.
Nos Ășltimos meses antes da pandemia, filmou ainda âDeep Waterâ, um thriller realizado por Adrian Lyne sobre um marido que deixa a sua mulher ter relaçÔes fora do casamento para a manter feliz e evitar um divĂłrcio â sĂł que se torna o suspeito principal no desaparecimento dos seus amantes.
Ben Affleck serĂĄ o marido, Ana de Armas a mulher. Na vida real, eles namoraram â o que jĂĄ provocou uma onda de interesse dos paparazzi e da imprensa cor-de-rosa americana. Ana de Armas chegou a levar Affleck para conhecer a famĂlia em Havana.
Ana de Armas Ă© uma estrela em ascensĂŁo em Hollywood, mesmo que prefira viver a sua vida tranquila e pacata com a famĂlia e os amigos em Havana. Tal como a sua personagem em âKnives Out: Todos SĂŁo Suspeitosâ, parece que vai acabar por ser a mulher que, mesmo que nĂŁo quisesse propriamente, foi arrastada para um jogo que acabou por ganhar.
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