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18 de outubro de 2012 às 22:35 73 views

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A Descoberta Do Mundo.

As obras de Clarice Lispector são divididas entre romances, contos, jornalismo e literatura infantil. Se nos contos e romances há um mistério que envolve o leitor, nas crônicas esse mistério vai aos poucos sendo desvendado, revelando o mundo pessoal e subjetivo da autora enigmática.

Em 1967, Clarice Lispector aceita o convite do Jornal do Brasil para escrever uma coluna aos sábados e sente a estranheza entre ser escritora e jornalista:
“Na literatura de livros permaneço anônima e discreta. Nesta coluna, estou de algum modo, me dando a conhecer”.
Gênero leve e de leitura mais fácil, a crônica quebra o extraordinário, celebrando o cotidiano e revelando o segredo das coisas mais simples. Mulheres simples e humildes se transformam em personagens que se eternizam. Nas crônicas escapa um leve toque de humor, como no caso da empregada que fazia análise, ou da “mineira calada”, que gostava de ler livros complicados.
Na coluna dos sábados, uma mulher se constrói, se questiona diante de si mesma, dos amigos e... Descobre o mundo.

O processo de escrita de Clarice Lispector.

“Nasci para escrever. A palavra é meu domínio sobre o mundo.”

Como a própria Clarice declarou, nasceu para escrever e fazia sentir-se morta quando não estava escrevendo. Usava uma máquina de escrever portátil Olympia que é leve bastante para o seu estranho hábito: o de escrever com a máquina no colo. “Corre bem, corre suave (...) provoca meus sentimentos e pensamentos. (Entrevista).”

Clarice Lispector escreve desde quando aprendeu a ler. Ela foi alfabetizada em português e em iídiche, idioma materno, além de ter aprendido francês e inglês sozinha. Em sua crônica de 11 de maio de 1968, Clarice faz uma declaração de amor à língua portuguesa: “Esta é uma confissão de amor: amo a língua portuguesa. Ela não é fácil. Não é maleável”. “A língua portuguesa é um verdadeiro desafio para quem escreve.”

Aos nove anos sofreu a maior perda de sua vida e que talvez a tenha influenciado em toda sua literatura, a morte de sua mãe, que sofria de sífilis - provavelmente contraída após sofrer um estupro ainda na Ucrânia.

Preferia escrever pela manhã, no entanto, quando estava criando, fazia anotações. Em entrevista ela falou:
“escrevo a qualquer hora do dia ou da noite, coisas que me vem... o que se chama inspiração. Agora quando eu estou no ato de concatenar as inspirações, eu sou obrigada a trabalhar diariamente”.

A escrita dela, por muitos, chamada intimista, é um ato de compaixão: pelo próximo, pela vida, pela escrita. Clarice resume seu próprio processo. Ao ser questionada sobre o porque escrever, responde:
“(...) eu escrevo sem esperança que o que eu escreva altere qualquer coisa. Não altera em nada. (...) Porque no fundo a gente não está querendo alterar as coisas. A gente está querendo desabrochar, de um modo ou de outro”.

Sobre escrever para um jornal, Clarice diz: “Escrever para um jornal é uma grande experiência que agora renovo, e ser jornalista, como fui e como sou hoje, é uma grande profissão. O contato com o outro ser através da palavra escrita é uma glória. Se me fosse tirada a palavra pela qual tanto luto, eu teria que dançar ou pintar. Alguma forma de comunicação com o mundo eu daria um jeito de ter. E escrever é um divinizador do ser humano”.

Crônica sobre escrever do dia 2 de maio de 1970:
(...) Quando conscientemente, aos 13 anos de idade, tomei posse da vontade de escrever- eu escrevia quando era criança, mas não tomara posse de um destino-quando tomei posse da vontade de escrever, vi-me de repente num vácuo. E nesse vácuo não havia quem pudesse me ajudar. Eu tinha que eu mesma me erguer de um nada, tinha eu mesma que me entender, eu mesma me inventar por assim dizer minha verdade. Comecei, e nem sequer era pelo começo. Os papéis se juntavam um ao outro – o sentido se contradizia, o desespero de não poder era um obstáculo a mais para realmente não poder...
E tudo era feito em tal segredo. Eu não contava a ninguém, vivia aquela dor sozinha. Uma coisa eu já adivinhava: era preciso tentar escrever sempre, não esperar por um momento melhor porque este simplesmente não vinha. Escrever sempre me foi difícil, embora tivesse partido do que se chama de vocação. Vocação é diferente de talento. Pode-se ter vocação e não ter talento, isto é, pode-se ser chamado e não saber como ir.

Clarice Lispector sobre o amor.

O amor de Clarice pelo próximo, pelos seus filhos, pela literatura, por Deus e pela vida é evidenciado em vários de seus textos. Diante de todo o mistério e incertezas que a cercavam, o amor era uma certeza em sua vida. Ela alega que nasceu para amar e revela: “Amar os outros é a única salvação individual que conheço: ninguém estará perdido se der amor e às vezes receber amor em troca”.

Nasceu também para criar seus filhos, Pedro e Paulo. Ela quis ser mãe, os dois meninos, foram gerados voluntariamente, e sobre seu amor por eles, disse: “Eu me orgulho deles, eu me renovo neles, eu acompanho seus sofrimentos e angústias, eu lhes dou o que é possível dar. Se eu não fosse mãe, seria sozinha no mundo. Mas tenho uma descendência, e para eles no futuro eu preparo meu nome dia a dia. Sei que um dia abrirão as asas para o voo necessário, e eu ficarei sozinha: É fatal, porque a gente não cria os filhos para a gente, nós os criamos para eles mesmos”.

Nasceu para a escrita. “Nasci para escrever. A palavra é meu domínio sobre o mundo”.
Clarice também possui um lado religioso muito grande, Deus é citado em várias crônicas de 1967 a 1973. Crônica do dia 10 de fevereiro de 1968:
“(...) E Deus tem que vir a mim, já que eu não tenho ido a Ele. Venha, Deus, venha. Mesmo que eu não mereça, venha. Ou talvez os que menos merecem precisem mais. Só uma coisa a favor de mim eu posso dizer: nunca feri de propósito. E também me dói quando percebo que feri. Mas tantos defeitos tenho. Sou inquieta, ciumenta, áspera, desesperançosa. Embora amor dentro de mim eu tenha. Só que não sei usar amor: às vezes parecem farpas. Se tanto amor dentro de mim recebi e continuo inquieta e infeliz, é porque preciso que Deus venha. Venha antes que seja tarde demais”.

Clarice sentia amor por pessoas simples que a cercavam também, como suas empregadas. Aninha, a mineira calada, que queria ler um livro de Clarice, porque era complicado e não gostava de “água com açúcar”. Aninha ficou doida, foi fazer compras e em vez disso, trouxe tampinhas de garrafa de leite e de outras garrafas, fora pedaços de papel sujo, para enfeitar seu quarto. Preciso de pronto socorro psiquiátrico. E sobre este episódio, Clarice relata:

“Aninha, meu bem, tenho saudade de você, de seu modo gauche de andar. Vou escrever para sua mãe em Minas para ela vir buscar você. O que lhe acontecerá, não sei. Sei que você continuará doce e doida para o resto da vida, com intervalos de lucidez. Tampinhas de garrafa de leite é capaz mesmo de enfeitar um quarto. E papéis amarrotados, dá-se um jeito, por que não? Ela não gostava de “água com açúcar”, e nem o era. O mundo não é.”
“Também sentia uma doçura em mim, que não sei explicar. Sei sim. Era de tanto amor por Aninha”.

Os leitores de Clarice Lispector se identificavam tanto com ela através de seus textos, que de alguma forma, passavam a amá-la também.
Desde simples leitoras como na crônica “um telefonema”, no qual o telefone toca e uma voz doce e tímida diz para ela: “sou uma leitora sua, e quero que você seja feliz”. Até grandes nomes, como Guimarães Rosa, que meses antes de morrer disse para Clarice que a lia, “não para literatura, mas para a vida”.

A questão da morte.

Desde muita nova, Clarice registra seus pensamentos, dúvidas e incertezas sobre a morte. Era um tema tão marcante para Clarice devido o seu grande amor pela vida. Também devido as suas perdas, como seus pais e amigos. Além de seu desejo e curiosidade em desvendar esse mistério.

“O tempo corre, o tempo é curto: preciso me apressar, mas ao mesmo tempo viver como se esta minha vida fosse eterna. E depois morrer vai ser o final de alguma coisa fulgurante: morrer será um dos atos mais importantes da minha vida. Eu tenho medo de morrer: não sei que nebulosas e vias lácteas me esperam. Quero morrer dando ênfase à vida e à morte. Só peço uma coisa: na hora de morrer eu queria ter uma pessoa amada por mim ao meu lado para me segurar a mãe. Então não terei medo, e estarei acompanhada quando atravessar a grande passagem.”
“O sono, quando vem, é como um leve desmaio, um desmaio de amor. Morrer deve ser assim: por algum motivo estar-se tão cansado que só o sono da morte compensa. Morrer às vezes parece um egoísmo. Mas quem morre às vezes precisa muito.”
“O que chamo de morte às vezes me atrai tanto que só posso chamar de valoroso o modo, como, por solidariedade com os outros, eu ainda me agarro ao que de chamo de vida. Seria profundamente amoral não esperar, como os outros esperam, pela hora, seria esperteza demais a minha de avançar no tempo, e imperdoável ser mais sabida do que os outros. Por isso, apesar da intensa curiosidade, espero.”
“Era assim que eu queria morrer: perfumando amor. Morta e exalando a alma viva”.
“Morreu o grande Guimarães Rosa... morreu uma menina de 13 anos do meu edifício deixando a mãe tonta, morreu o meu tonitruante amigo Marino Besouchet. Desculpem, mas se morre. Mas há a vida que é pra ser intensamente vivida, há o amor. Há o amor. Que tem que ser vivido até a última gota. Sem nenhum medo. Não mata”.

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